Os filhos mais velhos do ex-Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, comprometem-se a colaborar na realização de um funeral nacional, mas só após as eleições de 24 de Agosto e pedem um mausoléu para acolher os restos mortais.
Numa carta subscrita por cinco dos seus descendentes (Isabel, José Filomeno “Zenu”, Welwitschea “Tchizé”, Joess e José Eduardo Paulino “Coreon Dú”), os filhos do antigo Presidente da República expressam “profunda gratidão ao povo de Angola” e a todos os que partilham a sua tristeza, pedindo respeito pelo luto.
“Seja qual for o resultado das próximas eleições, no futuro, nós, a família, junto das instituições e do Presidente eleito, colaboraremos na união da Nação e a organizar com tempo necessário as condições para homenagem e o funeral nacional do Pai da Nação, o nosso pai, Eng. José Eduardo dos Santos, para que um dia este em dignidade e respeito descanse em paz na terra dos seus antepassados”, prometem os filhos mais velhos, na carta.
“Nós, os filhos do Eng. José Eduardo dos Santos, apelamos a todos a respeitarem os nossos costumes, os nossos valores ancestrais e as nossas crenças religiosas. O nosso pai tem esse direito e ninguém o pode contestar”, apelam, salientando que na tradição africana o tempo de luto é “um tempo de reflexão e reconciliação”.
A família de José Eduardo dos Santos, que faleceu no passado dia 8 de Julho em Barcelona, e o Governo angolano estão envolvidos numa disputa judicial quanto à entrega e trasladação do corpo de ex-chefe de Estado, que tem oito filhos, de cinco mulheres.
De um lado, estão os cinco irmãos mais velhos que, nesta carta, rejeitam celebrar as exéquias antes das eleições em Angola, onde correm processos judiciais contra Isabel dos Santos; do outro, está a formalmente viúva e mãe de três outros filhos de José Eduardo dos Santos, Ana Paula dos Santos, que estava afastada do marido há alguns anos, ressurgindo a seu lado nos últimos meses.
Ana Paula dos Santos foi a interlocutora do Governo angolano quando o marido se encontrava internado na clínica de Barcelona, onde acabou por falecer, e é apoiada pelo Governo que pretende fazer um funeral de Estado em Luanda, mas viu chegar ao fim os sete dias que decretou para o luto nacional sem a presença do corpo no velório, estando dependente da decisão dos tribunais espanhóis.
OS (SENSATOS) CONSELHOS DA UNITA
Recorde-se que o presidente da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, aconselhou o Governo do MPLA a tirar do plano público a “má imagem de conflitualidade” devido às divergências sobre o funeral de José Eduardo dos Santos, que são consequência da perseguição que moveu contra o ex-presidente de Angola.
Adalberto da Costa Júnior disse, num encontro com jornalistas, que, enquanto presidente da UNITA, desde o início chamou a atenção para as “perseguições e protecções”, numa alusão à perseguição selectiva da família de Eduardo dos Santos pela justiça do MPLA.
“No meu primeiro discurso público chamei a atenção para os riscos da perseguição ao ex-presidente da República, indicando que esta postura não traria resultados positivos para o país e nem para ele próprio [João Lourenço, Presidente da República, do MPLA, recandidato, e Titular do Poder Executivo, no poder há 46 anos]”, afirmou.
Esta posição, continuou, mereceu-lhe acusações de “ter sido comprado pela Isabel [dos Santos]”, empresária e filha mais velha sobre a qual recaem processos judiciais em vários países.
“E é assim que a imaturidade de quem governa se tem manifestado. Não ouvem os bons conselhos e o que hoje o Governo está a colher são as consequências de uma atitude de perseguição”, frisou Adalberto da Costa Júnior.
O líder da UNITA lembrou ainda que quando o ex-presidente se deslocou a Angola, no final do ano passado, foi recebido de forma discreta e sem qualquer cobertura noticiosa por parte da imprensa pública que, aliás, disse que a presença de José Eduardo dos Santos no país “não era notícia”.
“Mereceu absoluta ignorância, total, absoluto maltrato. Hoje está-se a chorar no molhado, com a imprudência de estar a gerir mal este dossiê, enviando para Espanha uma equipa para negociar perdões, para negociar aquilo que vem deitar por terra o que se fez de bandeira, que é o combate à corrupção”, criticou Adalberto da Costa Júnior.
Questionado sobre a sua ausência no “velório” público que decorreu no Memorial Dr. António Agostinho Neto, com um momento consagrado aos partidos, Adalberto da Costa Júnior criticou os serviços do cerimonial de Estado pela falta de aviso formal e atempado, apelando a que “tratem dos actos de Estado com mais dignidade”.
Por outro lado, descreveu as homenagens que decorrem em Angola como um acto de campanha eleitoral: “Então o Estado organiza uma cerimónia de exéquias e tem lá a figura do candidato do MPLA em grande exposição? Eu acho inadmissível este tipo de falta de respeito. Foi uma cerimónia de propaganda do candidato do MPLA ou foi uma homenagem ao ex-presidente da República?”, criticou, referindo-se à presença de fotos de João Lourenço e à bandeira do MPLA.
“Afinal a bandeira do país é a bandeira do MPLA e os líderes que foram lá chamados foram prestar um acto de campanha eleitoral do MPLA”, denunciou o líder da UNITA, justificando assim a sua ausência.
“Não pode ser assim, o ex-presidente merece as honras e as homenagens, nós achamos que devemos prestá-las, mas não em actos de campanha eleitoral mal preparados”, reforçou. Adalberto da Costa Júnior.
Recorde-se (em abono da verdade) que o Presidente João Lourenço, admitiu no dia 22 de Novembro de 2018, em Lisboa, que já sentia “as picadelas” dos afectados pelo combate à corrupção, mas garantiu que “isso não nos vai matar” e vincou que “somos milhões e contra milhões ninguém combate”.
[Enquanto vice-presidente do MPLA e ministro da Defesa dormia na ignorância? Pelos vistos, sim. Acordou quando chegou a Presidente da República…]
“Quando nos propusemos a combater a corrupção em Angola, tínhamos noção de que precisávamos de ter muita coragem, sabíamos que estávamos a mexer no ninho do marimbondo, que é a designação, numa das nossas línguas nacionais, do terminal da vespa”, disse João Lourenço, respondendo a uma pergunta, no Palácio de Belém, em Lisboa, sobre se a questão do repatriamento de capitais – ilicitamente transferidos para o exterior – não se assemelha a `brincar com o fogo`.
“Tínhamos noção de que estávamos a mexer no marimbondo e que podíamos ser picados, já começámos a sentir as picadelas, mas isso não nos vai matar, não é por isso que vamos recuar, é preciso destruir o ninho do marimbondo”, vincou o governante, depois de se ter escusado a comentar as críticas do antigo Presidente e seu mentor político e partidário, José Eduardo dos Santos, e da empresária Isabel dos Santos. Os marimbondos continuam. Só mudaram de lado. Entretanto, João Lourenço conseguiu “matar” o marimbondo-chefe e, agora, até promete “imunidade” temporária às rebeldes e, quiçá, arruaceiras filhas do marimbondo-chefe.
É certo que enquanto vice-presidente do MPLA e, entre muitos outros cargos de relevo, ministro da Defesa, João Lourenço comandava o exército de marimbondos e não deixava que ninguém se aproximasse do chefe. Mas, como tudo na vida, mudam-se os tempos, mudam-se os interesses. Daí a “matar” o seu criador foi um passo. Passo corajoso? Nem por isso. Até porque apunhalar pelas costas é a mais completa prova de cobardia.
Folha 8 com Lusa